Revista Anual del Centro de
Investigaciones en Estudios
Latinoamericanos para el Desarrollo y
la Integración
A corrida pelo que resta e os movimentos migratórios: o caso do Peru e da indústria
mineira chinesa de cobre
Autor(es): Brandão Martins, Fernanda
Fuente: Latitud Sur N° 18, Vol. 1, Año 2023. UBA-FCE, CEINLADI. (En línea) ISSN 2683-
9326.
Publicado por: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Ciencias Económicas. Centro de
Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración
(CEINLADI). Las opiniones y el contenido vertido en este trabajo son responsabilidad
exclusiva del autor.
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A corrida pelo que resta e os movimentos migratórios: o caso do Peru e da indústria mineira chinesa de
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de Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración (CEINLADI). (En línea)
ISSN 2683-9326.
Ensayo
A CORRIDA PELO QUE RESTA E OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS: O CASO
DO PERU E DA INDÚSTRIA MINEIRA CHINESA DE COBRE
1
Fernanda Brandão Martins
2
FACULDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RIO (BRASIL)
Resumo
A disputa pelo acesso a recursos naturais estratégicos é uma constante da política
internacional. Esse artigo tem como objetivo analisar a atuação chinesa no Peru e seus
impactos sobre movimentos migratórios domésticos, especificamente sobre o deslocamento
de populações indígenas. Para tanto, parte-se da discussão da disputa por recursos
estratégicos a partir da geopolítica.
Palavras-Chave
China Peru Geopolítica Migrações Recursos
THE RACE FOR WHAT’S LEFT AND MIGRATION MOVEMENTS: THE CASE
OF PERU AND THE CHINESE COPPER MINING INDUSTRY
Abstract
The dispute for access to strategic natural resources is one of the constant elements of
international politics. This paper analyzes the Chinese presence in Peru and the resulting
impacts on Peruvian migration movements, especially the dislocation of indigenous people.
From the perspective of resource geopolitics, we analyze how the Chinese presence in Peru
has affected domestic migration movements.
Keywords
China Peru Geopolitics Migration Resources
Introdução
A presença da República Popular da China por meio de seus investimentos e parcerias
comerciais é cada vez mais notável na América do Sul. Os últimos anos têm sido de grande
crescimento do Investimento Externo Direto (IED) chinês na região, cerca de US$12 bilhões
1
Fecha de recepción: 19/01/24. Fecha de aceptación: 12/02/24.
2
Doutora em Relações Internacionais e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Ásia (PPGRI-UERJ) e
coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.
Fernanda Brandão Martins
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em 2022, muitas vezes aliado à presença de empresas chinesas, tornando a China o principal
parceiro econômico de diversos países sul-americanos (Roy, 2023). O interesse do gigante
asiático na América do Sul não é apenas em relação ao acesso aos mercados, mas também
acesso às matérias primas produzidas e exportadas pelos países da região, que são em grande
parte, exportadores de produtos primários como petróleo, bens agrícolas e minérios
(Congressional Research Service, 2023). A China, consumidora voraz desses produtos, tem
interesse em assegurar acesso às reservas de petróleo da região a fim de garantir a segurança
energética do país, garantir acesso aos produtos agrícolas a fim de manter a segurança
alimentar de sua população e acesso a minérios que são fundamentais para a produção de
bens manufaturados e de alta tecnologia e para construção de infraestrutura no país e em seus
parceiros.
A busca chinesa por recursos naturais se insere no contexto global de “corrida pelo que resta”.
A expressão cunhada por Michael T. Klare (2012) aponta para a exploração de recursos
naturais que chegou à última fronteira de reservas conhecidas desses recursos em termos
globais. Nesse contexto, assegurar acesso a recursos estratégicos como recursos minerais e
energéticos se torna um elemento fundamental para garantir a continuidade do
desenvolvimento da economia e, consequentemente, das capacidades de poder das grandes
potências. A China, como potência em ascensão, tem ainda mais urgência em assegurar
acesso a esses recursos. A aproximação da China com a América do Sul está relacionada de
forma profunda com a necessidade chinesa pelos recursos estratégicos que o continente tem
para oferecer.
O caminho da China na América Latina é marcado pela sede dos países da região por
investimentos e por maior independência em relação à potência hegemônica, os Estados
Unidos. A oferta de investimento e de relações comerciais sem a imposição de
condicionalidades ou de interferência nos assuntos internos aproxima os países da América
do Sul da China. Contudo, esse processo tem sido marcado também por algum grau de
resistência. preocupação dos governos da região em criar uma dependência econômica
profunda em relação à China, além de preocupações relacionadas à compra massiva de terras
e os impactos ambientas que a exploração de recursos naturais por empresas chinesas possa
ter. , também em alguns casos, instâncias de conflito com as populações locais,
principalmente relacionadas à questão ambiental e a questões sociais. A diferença cultural
entre a China e os demais países sul-americanos fica evidente na dinâmica entre trabalhadores
locais e empresas chinesas, mas também entre as empresas chinesas e as populações
indígenas. As empresas chinesas, porém, têm buscado se adaptar às demandas locais nos
países onde se instalam na região, inclusive em relação ao respeito aos direitos e demandas
das populações indígenas.
Nesse sentido, esse breve artigo analisa o caso da indústria mineira no Peru, a presença da
China nela e os movimentos migratórios forçados de populações indígenas derivados desse
processo. Primeiro disserta-se sobre a relevância da China para as economias das América
do Sul, principalmente o Peru. O artigo faz um breve estudo de caso da presença chinesa no
setor mineiro peruano, particularmente na exploração de cobre, buscando identificar os
impactos da atuação das empresas chinesas sobre o deslocamento de populações, sobretudo
indígenas, no país. Esse estudo é apresentado na seção seguinte onde são expostos os
investimentos chineses em minas de cobre no Peru e os problemas enfrentados por cada um
dos projetos. A análise é feita a partir do contexto marcado pela “corrida pelo que resta” em
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termos de recursos naturais e o esforço da China, como nação em desenvolvimento, em
assegurar acesso a esses recursos. As conclusões são apresentadas no fim.
A corrida pelo que resta e a sede por recursos da China
Em seu livro “The Race for What’s Left”, Michael T. Klare (2012) desenvolve o significado
da expressão que nome ao livro e explora seus impactos sobre a dinâmica geopolítica
global. A expressão “corrida pelo que resta” se refere à mudança da fronteira de exploração
dos recursos naturais para a última fronteira conhecida, o que significa que após essa fronteira
não há outras áreas para a expansão da exploração desses recursos (Klare, 2012).
Esse deslocamento da fronteira de exploração tem sido marcado pela necessidade de extração
de recursos em áreas de grande risco econômico, político e ambiental. Algumas das novas
fronteiras de recursos naturais podem ser exploradas mediante inovação tecnológica que
permita o acesso a esses recursos dada a dificuldade de acesso a eles (o gás e o petróleo de
xisto, por exemplo). Já outros espaços se tornaram exploráveis como resultado de alterações
ambientais decorrentes das mudanças climáticas, como o acesso ao Ártico em decorrência
do derretimento das geleiras e um período maior de clima mais ameno nessa região por causa
do aquecimento global (Klare, 2012). outros locais são marcados por conflitos sociais e
políticos, o que até o momento muitas vezes removia o incentivo para a exploração, agora
não é mais suficiente para deter o interesse externo, principalmente de empresas sediadas nas
principais economias do mundo.
A dificuldade de exploração por fatores variados fez dessa a última fronteira conhecida de
recursos. Assim, a tendência para as próximas décadas é que esses espaços se tornem o
epicentro da atividade exploradora acarretando custos e riscos maiores do que se havia até
então. A importância estratégica dos recursos minerais e energéticos localizados nessa última
fronteira ainda acresce um elemento de disputa entre as principais potências para assegurar
acesso a esses recursos. A expansão e projeção do poder militar das grandes potências é
dependente de recursos energéticos como petróleo e gás natural, os novos desenvolvimentos
tecnológicos (tanto de uso militar quanto civil) são dependentes de recursos minerais como
cobre, lítio, entre outros, de forma que a continuidade do desenvolvimento das capacidades
de poder econômicas e militares desses países é diretamente dependente ao acesso a esses
recursos (Klare, 2012).
Para a América Latina, a corrida pelo que resta apresenta um desafio particular: o
deslocamento de populações indígenas de áreas e reservas destinadas a estes povos. O
conceito de Klare aborda principalmente o acesso a recursos localizados em territórios de
difícil acesso seja por questões geográficas ou políticas. Contudo, a escassez de recursos e o
aumento da demanda por certos minérios, por exemplo, tem levado também a exploração de
recursos em reservas e regiões ocupadas por povos indígenas que são deslocados para a
utilização de suas terras para atividades mineradoras ou agropecuárias, as últimas terras
destinadas a esses povos. Essa é uma questão que desponta de forma singular na América
Latina, e especialmente no Peru. O deslocamento de povos indígenas para favorecer a
indústria extrativista ou agropecuária é um problema que se torna cada vez mais importante
e pode se tornar fonte de distúrbios e conflitos sociais e políticos trazendo instabilidade para
a região. O problema é agravado, dada a dependência das economias sul-americanas das
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potências dominantes, principalmente os Estados Unidos, e de uma dependência crescente
em relação à China. existem relatórios da ONU que apontam para o impacto negativo de
investimentos chineses no continente sobre as populações indígenas, principalmente
investimentos relacionados a infraestrutura (Roy, 2023).
A China na América do Sul: comércio e investimento
Desde o início dos anos 2000, a China tem buscado aumentar seus laços econômicos e
políticos com a América do Sul (Polga-Hecimovich, 2022). O interesse principal da China
nessa região está relacionado ao acesso a matérias-primas, item de destaque na pauta
exportadora dos países da região, e a abertura do mercado desses países para bens chineses
manufaturados (Roy, 2023). Além disso, a região tem se tornado importante destino de
investimentos chineses que tem como objetivo solidificar o acesso aos recursos naturais
necessários para a continuidade do desenvolvimento e crescimento da economia do país. A
China tem uma alta demanda por commodities e produtos primários a fim de sustentar a
continuidade da atividade econômica industrial e o desenvolvimento de novas tecnologias
que garantem a continuidade do seu crescimento econômico. Já, os países da América do Sul,
são em sua maioria exportadores de commodities e veem na China a oportunidade de
diversificar parceiros e reduzir sua dependência em relação aos Estados Unidos e aos países
europeus. Hoje a China é a principal ou segunda principal parceira comercial do Brasil, da
Argentina, do Chile, do Paraguai, do Uruguai, do Peru, da Bolívia e da Venezuela (Polga-
Hecimovich, 2022). Entre 2000 e 2021, o comércio da China com a América Latina cresceu
de US$12 bilhões para mais de US$430 bilhões (Polga-Hecimovich, 2022).
A China é o principal parceiro comercial da América do Sul e corresponde a 25% do
comércio de bens da região e desde 2010 ocupa a posição de terceiro maior investidor da
América Latina (Jennings, 2023; Raza & Grohs, 2022; Roy, 2023). O Brasil, o Uruguai, o
Peru e o Equador têm a China como principal parceiro comercial enquanto em outros
países ainda ocupa a posição de segundo maior parceiro comercial (Congressional Research
Service, 2023). O Brasil e o Peru se destacam como os principais receptores de investimentos
chineses na região da América Latina e do Caribe, correspondendo respectivamente a 44% e
17% dos investimentos chineses na região (Congressional Research Service, 2023).
Países como a Argentina, a Bolívia, o Chile, o Uruguai, o Peru e o Equador aderiram à
Iniciativa Cinturão e Rota da Seda, o que tem o potencial de aumentar ainda mais o fluxo de
Investimento Externo Direto (IED) chinês no continente, principalmente em projetos
relacionados à infraestrutura, majoritariamente em transporte, energia e telecomunicações
(Roy, 2023). Transporte e energia se destacam como setores que absorvem a maior do IED
chinês para a região correspondendo respectivamente a 30% e 50% dos investimentos
chineses na América do Sul (Congressional Research Service, 2023).
As relações comerciais da China com o Peru seguem a mesma tendência dos demais países
da região com foco, principalmente, em grãos e minérios (ITC Market Analysis, 2023). As
relações sino-peruanas são antigas e datam dos anos 1800 quando migrantes chineses se
instalaram no país para trabalhar como servos contratados. Hoje o Peru é o país com mais
chineses na América Latina. Parte da presença de chineses no país é explicada pelo IED do
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país asiático no Peru, que leva da China parte dos trabalhadores das empresas que se instalam
ali.
A China é o maior importador mundial de minérios como cobre, sendo consumidora de
metade do cobre refinado produzido mundialmente (Barría, 2018). Nesse sentido, destacam-
se as relações da China com o Peru como importante fonte de minérios para o país. O Peru é
o principal exportador da América Latina de chumbo, ouro, prata, telúrio, estanho e zinco, e
o segundo produtor regional de cobre (Kotschwar et al., 2011). Atualmente, a China é o
principal consumidor de minério oriundo de minas peruanas, e presença de empresas
chinesas no país envolvidas na exploração mineral. A China é hoje o maior parceiro
comercial do Peru.
O cobre representa cerca de 10% do PIB peruano e as atividades relacionadas a exploração
desse minério 4% representam 4% do PIB, cerca de 60% das exportações peruanas são de
minério, sendo o cobre o mais importante deles, revelando a importância da atividade
mineradora para a economia do país (Morin et al., 2022). No início da década de 2010, o
Peru era o quarto principal destino mundial e o segundo principal destino regional de
investimentos chineses no setor de mineração (Kotschwar et al., 2011). Em 2022, a China já
havia assumido a posição de principal investidor no setor de mineração peruana e hoje
controla 7 das maiores minas do Peru, 100% da produção de minério de ferro e 25% da
produção de cobre do país (Foreign Affairs Committee Republicans, 2022).
O Peru é um dos únicos países da região que possui um acordo de livre comércio com a China
desde 2009. A assinatura desse acordo revela a importância das relações comerciais com a
China para o Peru. Porém, o Peru também possui tratados de livre comércio com os Estados
Unidos e participou das negociações do TPP, ou Parceria Trans-pacífica. A participação no
TPP, que se tornou o CPTPP depois da saída dos EUA do acordo, mostra o interesse peruano
em se aproximar da região de maior dinamismo da economia mundial no contexto global, a
Ásia, a fim de estreitar laços econômicos e diversificar seus parceiros comerciais.
A assinatura de tratados de livre comércio do Peru com países como a China, os EUA, e
outras grandes potências por vezes entra em conflito com os interesses das populações
indígenas do país. Por exemplo, em 2007, após a assinatura do tratado de livre comércio com
os Estados Unidos, foram promulgadas leis que facilitavam o acesso de investidores
estrangeiros a terras de propriedade indígena para a exploração de recursos naturais levando
as lideranças dessas comunidades a se oporem e demandarem que os povos indígenas fossem
consultados sobre decretos e leis que impactam diretamente em suas comunidades e nas terras
que habitam (Aylwin, 2016). Comunidades indígenas da região da Amazônia se mobilizaram
e protestaram contra a continuidade de tais leis. Por exemplo, os povos Awajún e Wampis da
região de Bagua, na fronteira com o Equador, onde o governo planejava reduzir a área do
parque nacional de Ichigkat Muja para beneficiar a exploração de minérios nas Montanhas
do Condor (Aylwin, 2016).
Tais acordos geralmente são celebrados sem consideração aos interesses e direitos aos povos
indígenas e acabam resultando em infração de artigos da Declaração dos Direitos dos Povos
Indígenas da ONU (2007) e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), tratados dos quais a maior parte dos países da
América do Sul são signatários, resultando em denúncias de observadores dessas
organizações (Puig, 2010). A Convenção 169 da OIT busca promover o respeito pela cultura
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(modos de vida, instituições e tradições) dos povos indígenas, além de incluir a questão dos
direitos especiais dos povos indígenas em relação à terra que prove seu sustento (Puig, 2010).
Em uma convenção continental de povos nativos realizada em Puno, Peru, em 2009, as
lideranças indígenas se posicionaram contrárias aos acordos de livre comércio celebrados
com os Estados Unidos, a China e a União Europeia, no sentido em que visam à exploração
e subjugação dos povos indígenas e à exploração da Mãe Terra (Pachamama) (Aylwin,
2016). Em 2011, o governo peruano criou a lei da “Consulta Prévia”, onde populações
indígenas teriam direito a um voto (não-vinculante) na aprovação de projetos que pudessem
afetar suas comunidades (Flannery, 2013).
Contudo, essas mudanças na legislação não foram suficientes para proteger as populações
indígenas e suas terras de interesses econômicos estrangeiros de forma efetiva. Não são
apenas os acordos de livre comércio que geram tensão em relação aos interesses das
populações indígenas. O aumento dos investimentos chineses no Peru e da presença de
empresas chinesas no país são motivos de atrito com essas populações e causa de
deslocamento das mesmas de suas terras ancestrais.
Investimento Externo Direto Chinês no Peru: o caso da indústria mineira de cobre
A aproximação econômica entre a China e o Peru, principalmente o aumento do investimento
chinês em projetos de mineração, representou um aumento da presença de empresas chinesas
em território peruano. A perspectiva é de que esses investimentos continuem uma trajetória
ascendente diante da demanda chinesa pelos minérios produzidos pelo país. Em 2017, a
China representava 35% do investimento na indústria mineira no Peru (La República,
2017). Até 2021, a China havia investido cerca de US$ 10,4 bilhões na indústria mineira
peruana (Foreign Affairs Committee Republicans, 2022).
Por possuir portos no Oceano Pacífico, a localização do Peru facilita a exportação dos
minérios para a China. Nesse sentido, o país também se tornou importante porta de saída de
bens da América do Sul rumo à potência asiática o que culminou no projeto de criar uma
ferrovia que iria do Brasil até o Peru a fim de facilitar o escoamento dos produtos da região
para a China. Tal projeto, porém, tem sofrido grande oposição por governos dos diferentes
países pelos quais a ferrovia passaria. Até hoje, o projeto continua sem perspectivas de ser
realizado. O investimento em infraestrutura como rodovias e ferrovias que conectam as minas
de cobre aos portos também são parte de alguns acordos de investimentos da China no Peru,
como na mina de Rio Blanco (Morin et al., 2022).
O primeiro grande investimento chinês no setor mineiro no Peru foi, em 1992, a compra da
estatal Hierro Peru pelo Shougang Group, marcado por controvérsias relacionadas à oferta
chinesa supervalorizada pela companhia (14 vezes maior que de outras empresas) entre
outras questões. Em 2008, a empresa Chinalco (Aluminum Corporation of China) adquiriu a
mina de Tomorocho por US$ 2,2 bilhões. Em 2010, o grupo de empresas chinesas Minmetals,
Chinalco, Shougang e Zijing Mining anunciou que US$ 7 bilhões seriam investidos na
mineração peruana até 2017 (Flannery, 2013). Hoje a China possui cinco grandes projetos de
investimento na exploração de cobre do Peru, dois desses projetos encontram-se paralisados
por causa de conflitos com a população local ou por falta de cumprimento de normas
ambientais (Morin et al., 2022). Os projetos em operação são: a mina de Toromocho, a mina
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de Las Bambas, explorada pela MMG, e a mina de Don Javier, explorada pela Junefield
Mineral Resources Holdings Limited, empresa de capital chinês. A mina de El Galeno,
comprada pela Minmetals em 2009, e a mina de Rio Blanco, adquirida em 2007 pela Zijin
Mining Group, se encontram com os projetos de exploração atrasados. A primeira por falta
de apresentação de um plano ambiental pela empresa chinesa e a segunda por uma série de
conflitos com a população local por direitos de propriedade e os impactos ambientais que a
exploração da mina teria (Morin et al., 2022). O interesse da China na exploração mineira no
Peru não se restringe ao cobre, mas se estende ao zinco, minério de ferro e outros minerais.
O Peru é o país com a terceira maior reserva de zinco que é uma importante matéria-prima
na produção de aço inoxidável.
Las bambas é a maior mina de cobre do Peru e foi adquirida pela China Minmetals, dona na
MMG, em 2014 por US$ 5,85 bilhões. A mina fica na região sudeste do país em Apurimac
e representa um terço das exportações peruanas de cobre. Outros projetos que contam com
investimento chinês são Pampa del Pongo (Arequipa), Galeno (Cajamarca), Don Javier
(Arequipa), Explotación de Relaves (Ica) e Río Blanco (Piura). Em 2018, a China anunciou
a intenção de investir 10 bilhões de dólares no Peru até 2021, incluindo o setor mineiro
(Gestión, 2018). A perspectiva é que o investimento chinês continue aumentando no setor de
exploração de cobre do país.
A presença desses projetos é motivo para o aumento de tensões domésticas no Peru,
principalmente em relação às populações indígenas, uma vez que as minas peruanas estão,
em sua maioria, situadas em seus territórios e áreas de população de baixa renda. Os conflitos
com essas populações geralmente giram em torno de questões ambientais e violações
trabalhistas (Armony & Hearn, 2017). Por exemplo, o projeto da empresa chinesa Lumina
Copper em Cajamarca (que envolve cerca de US$ 2,5 bilhões em investimentos) foi
paralisado após protestos e resistência da população local (Flannery, 2013).
A relação do Shougang Group, empresa que adquiriu a Hierro Peru, com a população local
evidencia os problemas que geralmente surgem em projetos de investimento chinês no Peru.
A empresa passou a ser vista de forma negativa por não realizar o compromisso de investir
US$ 150 milhões na comunidade local em três anos após a aquisição das minas (investindo
apenas US$ 34 milhões e pagando uma multa de US$14 milhões), por demitir parte da mão
de obra local e trazer trabalhadores chineses, além de problemas relacionados a violação de
direitos trabalhistas e questões ambientais (Kotschwar et al., 2011).
A Chinalco, empresa chinesa de alumínio, enfrentou dilemas semelhantes, mas tem buscado
estabelecer diálogo com a população local e promovido estudos de impacto ambiental a fim
de evitar os mesmos problemas que a Shougang teve (Kotschwar et al., 2011). Todavia, a
empresa enfrentou atritos com a população local no distrito de Morococha no Peru
envolvendo o realojamento de 5000 residentes (Flannery, 2013), ocasião em que ofereceu
uma compensação financeira aos deslocados (Kotschwar et al., 2011).
O crescimento do investimento chinês no Peru tem caminhado junto com o aumento de
conflitos sociais e ambientais. A questão ambiental é um problema recorrente na atuação de
empresas chinesas não apenas no Peru mas em outros países da América Latina: há casos de
contaminação de rios por produtos químicos como na mina de Toromocho e o nivelamento
de montanhas associado à extrema exploração dos recursos minerais, por exemplo. Outro
problema, é a resistência de populações campesinas e indígenas em relação a esses grandes
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projetos mineiros que envolvem muitas vezes seu deslocamento ou a piora das condições
ambientais lhes afetando diretamente.
A questão das populações indígenas e suas reivindicações em relação aos impactos da
atividade mineradora em suas terras se apresenta como um desafio para a atuação de
empresas chinesas na região. A resistência, por sua vez, não pode ser entendida como
resultante da prevalência de um sentimento anti-chinês, mas da preocupação dos impactos
desses projetos sobre as populações locais, suas terras e o meio ambiente, uma preocupação
que resulta da tradição cultural e religiosa local onde a Mãe Terra (Pachamama) é figura
central.
A atuação chinesa no setor mineiro no Peru é auto interessada e pautada nos costumes e
práticas das empresas chinesas sem consideração, muitas vezes, pelos costumes e normas
locais. A questão dos povos indígenas é delicada e esbarra no pragmatismo chinês que não
tem por costume negociar com as populações locais uma vez acordados os investimentos
com o governo e as empresas em questão. Apesar disso, a China tem buscado se mostrar
como uma potência responsável que busca seguir as normas e regras internacionais. Ademais,
a China busca se diferenciar de outras grandes potências como um “bom” parceiro
econômico. Nesse sentido, é possível observar a tentativa de adaptação das empresas
chinesas às questões locais, como a necessidade de envolvimento com a comunidade e
negociação com as populações indígenas, o que não significa que novas tensões e conflitos
não surgirão entre os interesses dessas empresas e os interesses dessas populações.
A postura das empresas chinesa costuma ser de não-intervenção nas questões domésticas de
seus parceiros comerciais, condizente com a postura pragmática e não intervencionista do
país nas suas relações exteriores, deixando assim, a questão com os povos indígenas para
serem tratadas nos âmbitos dos governos domésticos sem interferências diretas. Contudo, a
pressão sobre esses governos se manifesta através da importante oportunidade que a China
oferece em termos de comércio e investimento, atratividade que é aumentada pela condição
de desenvolvimento desses países que demandam investimentos não apenas no
desenvolvimento de indústrias locais mas de infraestrutura também, outro importante braço
de atuação da China no Peru.
Os protestos de grupos indígenas são vistos como risco à atividade mineradora no Peru
(Flannery, 2013). Assim, o desafio do governo do país é equilibrar as demandas das
populações indígenas ao mesmo tempo que busca estreitar as relações econômicas com a
China. Cabe ressaltar que os dilemas apresentados não se aplicam somente à presença de
empresas chinesas no Peru. Essas questões também se aplicam à presença de empresas
estadunidenses e europeias. A escolha da China para este estudo é justificada pela tendência
de aumento da relevância do país como parceiro econômico do Peru e demais países da região
latino-americana em detrimento dos EUA e da Europa.
O governo chinês reconhece que a atuação das suas empresas em território estrangeiro,
marcada por sucessivos desrespeito a regulações e em conflito com as demandas das
populações locais, são uma forma de propaganda negativa sobre o país e da reputação das
empresas chinesas (Wang & Gao, 2018). Pequim tem buscado incentivar as empresas
nacionais para que atentem ao cumprimento das leis e normas locais dos países em que
pretendem investir. Nesse sentido, foi publicado no dia 18 de dezembro de 2017 o Código de
Conduta para Investimento Externo por Empresas Privadas, buscando fazer com que essas
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empresas aprimorem o processo de gerenciamento interno, observem exigências legais
domesticamente e internacionalmente, cumpram suas responsabilidades sociais, atuem na
proteção do meio-ambiente e fortaleçam o gerenciamento de risco no exterior (Wang & Gao,
2018).
Impactos sobre deslocamento de populações no Peru
Como mencionado anteriormente, a assinatura de um tratado de Livre Comércio com os
Estados Unidos levou à reformulação de leis no Peru que reduziam territórios designados
como reservas indígenas para facilitar a exploração dessas terras. A presença de povos
nativos em áreas ricas em recursos minerais tem tornado essas populações os principais alvos
de deslocamentos para exploração desses recursos. Essa tendência se estende pelos demais
países da América do Sul onde diversas áreas designadas como reservas indígenas se
apresentam como importantes fontes potenciais de recursos minerais.
A instalação e expansão das minas exploradas por empresas chinesas em território peruano
tem envolvido o deslocamento de populações locais, especialmente populações indígenas de
seus territórios. Esse processo tem sido marcado pela concessão de pagamentos e
compensações por parte das empresas às populações deslocadas, além de promessas de
emprego e de investimentos no desenvolvimento da região. Contudo, tais medidas muitas
vezes não são suficientes para atender às necessidades da população removida e nem sempre
as empresas cumprem todos os compromissos que foram firmados no momento da compra
do território para exploração. Assim, esses deslocamentos causados pela expansão da
atividade exploradora mineira têm criado problemas e instabilidades sociais no Peru, que se
encontra entre a tensão de atender as demandas das populações indígenas e os ganhos
econômicos que investimentos estrangeiros, sobretudo chineses no setor de mineração,
podem trazer ao país.
No caso da mina de Las Bambas, a população removida foi instalada na cidade planejada de
Fuerabamba, além de terem recebido compensações que totalizaram US$300 milhões
(Reuters, 2023). Desde que Las Bambas foi comprada pela MMG de capital chinês, a mina
tem sido alvo de protestos das populações locais praticamente todos os anos. A população de
Fuerabamba se encontra insatisfeita com o acordo estabelecido entre a empresa e a população
local e tem feito protestos recorrentes para a retomada das “terras ancestrais” que antes
ocupavam. Em 2023, a população de Fuerabamba e de Huancuire fizeram diversos protestos
que suspenderam o funcionamento da mina por vários dias. A população de Huancuire
protesta contra a expansão da mina que levaria ao deslocamento dessas pessoas de suas terras.
Há, também, famílias que se instalaram no território adjacente à mina construindo casas de
adobe e currais para gado próximo a abertura da cratera da mina no intuito de retomar a terra
dos seus ancestrais (Reuters, 2023). a mina de Rio Blanco ainda não entrou em
funcionamento pois questões relacionadas ao realojamento da população ainda não foram
resolvidas e os povos indígenas da região ainda reclamam direitos de posse sobre a terra em
que mina será instalada (Morin et al., 2022).
Em alguns casos, mesmo que a população não seja removida, necessidade de
deslocamentos forçados por motivo da deterioração das questões ambientais. O tipo de
exploração do cobre no Peru é de minas abertas em que o minério é explorado através da
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abertura de crateras a fim de extrair o metal que se encontra na superfície e não através de
túneis subterrâneos. Esse tipo de exploração é, geralmente, acompanhado por problemas
ambientais como a criação de barragens de rejeitos que podem ser tóxicos e contaminar
lençóis freáticos, rios e lagos vizinhos (Morin et al., 2022). Assim, a exploração dessas minas,
geralmente, leva a migrações forçadas da população local pela deterioração das condições
ambientais no seu entorno.
Conclusão
O processo de aproximação econômica da China com o Peru é marcado pela tensão com
relação à dinâmica com as populações indígenas, cujas terras são alvo de investidores
chineses interessados na extração de recursos naturais, principalmente minerais, e por
problemas relacionados a questões ambientais. Esses elementos representam uma ameaça e
um dilema para a expansão da atuação chinesa no país. Como resposta, é possível perceber
o esforço do governo chinês em incentivar as empresas nacionais a atuarem de forma mais
consciente em relação a essas questões e se adaptarem às demandas locais para evitar atrito
e a construção de uma imagem negativa dos investimentos chineses. O fato de que a
humanidade se encaminha para as últimas fronteiras de exploração torna ainda mais urgente
que as empresas chinesas consigam superar tais obstáculos para continuar tendo acesso a
recursos estratégicos para a continuidade do desenvolvimento econômico nacional.
A continuidade do crescimento econômico chinês e o crescimento da sua demanda por
recursos minerais juntamente com a expansão dos seus investimentos não apenas no Peru,
mas para outros países da América do Sul e do mundo, tem colocado a prova a capacidade
das empresas chinesas em se adaptarem às demandas locais de seus parceiros econômicos. A
tendência é que haja cada vez mais atrito entre os interesses de exploração chineses e os
interesses e direitos de populações indígenas, principalmente quando relacionados a questões
ambientais. A corrida pelo que resta pode ter impactos graves sobre as populações indígenas
levando, principalmente, ao seu deslocamento de suas terras ancestrais.
Os problemas causados pelo deslocamento de populações indígenas de suas terras e de outras
populações locais por consequência de problemas ambientais cria a perspectiva de problemas
sociais graves para os países da América do Sul diante do potencial estratégico da região para
exploração de recursos minerais. A tendência é que haja uma pressão cada vez maior para a
exploração em territórios de reservas indígenas enquanto esses povos demandam mais
direitos sobre a manutenção da posse de suas terras ancestrais. O caso do Peru é emblemático
nesse sentido e serve de exemplo para o aprendizado para os demais países sul-americanos.
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A corrida pelo que resta e os movimentos migratórios: o caso do Peru e da indústria mineira chinesa de
cobre
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